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Estudo de caso: o poder da voz de Beyoncé no vídeo álbum “Black is King”

Entenda porque é importante compreender mais a fundo toda a dimensão cultural que essa obra traz. Este é um case de como um artista (Beyoncé) pode ser muito mais do que um “produto”.

Foi-se o tempo em que a multiartista Beyoncé Knowles-Carter era lembrada “apenas” como diva pop mundial. E logo nessa primeira frase você deve estar se questionando porque abrimos um texto para falar sobre ela. Essa análise é válida para que tenhamos uma visão mais ampla do que se compreende por inovação, originalidade, legitimidade no desenvolvimento de um produto. Em nosso site, costumamos abordar temas relacionados à Experiência do Cliente e à Jornada do Usuário por uma perspectiva mais conceitual, e é sempre válido trazer o debate para exemplos contemporâneos de como podemos consumir produtos disruptivos e com uma bagagem que vai muito além de um rótulo. 

É muito provável que você tenha ouvido falar sobre o lançamento de “Black is King”, o terceiro álbum visual da multiartista, lançado neste ano. A obra rompe com as barreiras do idioma e assume um patamar de alcance global. Mais importante do que isso, ecoa uma mensagem de relevância e em sintonia com todas as transformações comportamentais que estamos vendo acontecer em 2020, tanto no ponto de vista de formato de conteúdo quanto pela estratégia de negócio adotada. 

A disrupção não tem nada a ver com o formato dinâmico audiovisual, com uma narrativa que constrói um storytelling sem defeitos. Afinal, álbuns que constroem a narrativa de um filme já vêm sendo feitos há décadas, basta lembrar de exemplos como Interestella 5555, de Daft Punk (2003), ou The Wall, de Pink Floyd (1982), Archandroid, de Janelle Monáe (2010), Lemonade (2016) e Homecoming (2019), da própria Beyoncé. Neste aspecto, o que vale ser reforçado é o alcance que Beyoncé tem em comparação às obras feitas em outros momentos da história, tanto pela sua gigantesca base de fãs quanto pelo dinamismo e rapidez de divulgação do conteúdo por diferentes plataformas. 

Na discussão que trazemos hoje, nosso intuito é ressaltar alguns detalhes que compõem a riqueza artística da obra, com base principalmente na leitura feita pelo apresentador e produtor de conteúdo Spartakus Santiago em vídeo no YouTube, ao mesmo tempo em que traçamos um diálogo do ponto de vista de negócios sobre o valor que essa obra traz em termos de inspiração para outras empresas. Para aprofundar esse mergulho, fica aqui também a nossa recomendação para ler o editorial da SP Arte, “Black is King, uma análise decolonial”, assinado pela mestre em História e Estética da Arte pela USP, Ana Beatriz Almeida. 

Beyoncé rompe barreiras e se supera mais uma vez ao trazer um continente inteiro de referências das mais diversas em sua obra. E aqui a explicação é sem exagero: seu vídeo álbum é uma homenagem à altura da grandiosidade do continente africano. Em uma releitura do clássico da Disney “O Rei Leão”, como bem descreve Santiago, Beyoncé faz um resgate à cultura africana e a uma história que não começa nas senzalas, mas sim nos tronos da África. Ele acrescenta ainda que nesta ponte, ela refaz a narrativa do filme com uma metáfora que simboliza o processo de amadurecimento do homem negro e a conscientização de toda a grandeza que ele representa. E só pela obra escolhida para fazer essa ponte, já há que se reconhecer um imenso valor. Beyoncé assume o risco de fazer a releitura de um filme consagrado entre os principais clássicos da Disney, que muito recentemente recebeu uma nova versão em live action, e mesmo assim não caiu na cilada de esgotar o tema ou causar desgaste para a narrativa. 

Muito pelo contrário: sua releitura da obra se distancia por completo do lugar comum ou da previsibilidade e levanta debates profundos a partir da reinterpretação dos personagens mais simbólicos da narrativa a partir de um olhar afrocentrado e afrofuturista. Do ponto de vista de negócio, isso rompe com a conhecida desculpa de que quando se tem um produto de sucesso nada mais pode ser feito ou melhorado. 

As muitas Áfricas presentes em Black is King

“Minha intenção com o álbum é mudar a percepção global das pessoas sobre o significado da palavra “preto”, que para mim sempre simbolizaram fonte de inspiração, amor, força e beleza”, afirmou a própria Beyoncé em entrevista para o canal Good Morning America

As referências culturais perpassam a diversidade geográfica, com cenas que passam pelo deserto e alusões aos povos nômades, as savanas e também a África tropical. O recurso da metalinguagem é explorado com vastidão, ao referendar artistas, ritmos e danças africanos de diversas regiões do continente, bem como de outros continentes e com ascendência negra. Para mencionar apenas algumas delas, temos trechos de poemas da escritora somali Warsan Shire, o simbolismo poderoso da cantora Nina Simone, saudações ao líder Nelson Mandela e referências diretas ao afrofuturismo criado por Sun Ra. Aliás, sobre este último exemplo, a obra também dialoga com uma tendência de consumo mais forte por produtos focados neste movimento cultural, especialmente por gerações mais jovens. 

O vídeo álbum adota uma perspectiva muito ativa em questões completamente atuais, como o fortalecimento do movimento “Black Lives Matters”. Aqui, o Black Money não é só “levado em consideração”, mas é exatamente o foco do produto. Essa perspectiva é infinitamente mais rica do que simplesmente a adoção de uma postura de “alinhar-se a um discurso antirracista”, conduta seguida por um grande volume de empresas. Beyoncé entrega 100% de sua voz para o fortalecimento e a valorização de seu povo, sua cultura e suas raízes. 

Os cenários também não se limitam a fazer referência apenas à narrativa de Rei Leão. Existe ali um diálogo com diversos clássicos do cinema protagonizados por artistas negros. É o caso da mansão usada no trecho do filme em que Jay-Z surge representando o rei Simba adulto, vivendo seu período de “Hakuna Matata”. A propriedade é a mesma que foi usada para gravar o clássico “O Guarda-Costas”, com a estrela Whitney Houston, como bem lembra Santiago em sua análise em vídeo. Entre outras alusões, ele destaca também o momento em que Beyoncé tem seus dentes escovados por um empregado como uma analogia ao filme “Um príncipe em Nova York”, protagonizado por Eddie Murphy. Um misto de referências a sucessos da cultura pop, fazendo um resgate de memórias que têm movimentado o mercado por meio da tendência chamada de Revivalism, ou seja, a proposta de resgatar idéias consagradas do passado ativando a memória afetiva dos consumidores.

Santiago destaca também que momentos-chave da animação da Disney são refeitos na tela com uma profundidade simbólica muito maior, como o caso da referência que é feita à morte de Mufasa. Em um funeral todo em branco, como é comum em algumas regiões da África, o apresentador explica que a cena simboliza a morte de todos os saberes ancestrais, consequência dos séculos de colonização que apagaram registros e heranças de antepassados africanos. 

Em um ano em que somos tomados de assalto por uma pandemia e assim como dissemos acima vimos o fortalecimento global do movimento “Black Lives Matters”, Santiago também chama atenção para a cena em que Simba começa a despertar para sua responsabilidade como rei e líder de seu povo. Ao contrário do que acontece no desenho, em que esse chamado acontece de forma lúdica por conselhos do mandril Rafiki, no filme de Beyoncé ele aparece festejando em um carro colorido, mas se espanta ao perceber que na verdade está fazendo festa dentro de um carro funerário. O motorista amigo logo muda o comportamento e assume uma imagem que faz alusão a Exu, o orixá mensageiro. Ao mesmo tempo, vemos surgir no carro uma representação direta da figura de Omulu, o orixá com maior ligação com a cura das doenças e também com a morte. 

Aliás, os dois orixás são apenas algumas das muitas divindades que aparecem no filme. Vemos em diversos momentos alusões a rituais de nações distintas, como Bantu, Zulu e Dogon, todos estrategicamente posicionados para reforçar o despertar e crescimento deste rei que aos poucos entende o poder que possui. 

O apresentador ressalta ainda um trecho crucial do filme: é marcante o momento em que a multiartista faz uma crítica clara à falta de representatividade dentro da estrutura racista. Nas cenas, vemos negros em massa cobrindo os olhos, cegos pela sociedade que os impede de enxergar como são belos e ricos. 

Por falar em riqueza, o filme também quebra com o estereótipo que estamos acostumados a ver, de uma África retratada por miséria, e abre espaço para mostrar a grandeza e riqueza do continente. Tanto Almeida quanto Santiago reforçam, por exemplo, a música do ganês Lord Afrixana “Don’t Jealous Me”, que aparece com uma grande cobra amarela no pescoço, uma referência direta à família Dan, mais especificamente ao orixá Oxumaré, que representa a prosperidade. 

Até aqui, fizemos apenas um resumo com destaques de algumas simbologias que foram explicadas por Santiago e Almeida em seus materiais linkados acima. Mas somente com esses highlights já é possível entender com mais clareza o que reforçamos ainda no início desse texto, sobre o potencial de fato transformador do álbum que Beyoncé traz. 

Ele vai além de um discurso ou mensagem forte. A obra inteira, em cada um de seus detalhes, foi pensada para retratar a imensidão cultural da África. Mais importante: esse discurso é direcionado aos próprios negros, para que despertem e relembrem sempre do valor que possuem e sempre possuíram, e que por muito tempo foi ofuscado pelo racismo. É um manifesto de que não há qualquer espaço para esse apagamento histórico. 

Ao longo de sua carreira, Beyoncé mostrou com uma maestria impecável como é possível usar sua posição de destaque dentro da cultura pop para construir algo muito mais valioso para toda a sociedade.

Conteudo produzido por Karina Alves e Igor Souza

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